A China vem pagando mais pela carne brasileira. Será?

Tempo de leitura: 6 minutos

Carne brasileira na China
Carne brasileira na China

Que a China continua crescendo e fortalecendo sua presença no comércio mundial já há algum tempo, isso é inegável. Pensando em como o país influencia o mercado pecuário aqui no Brasil (criamos até o padrão “Boi China”) me despertou a curiosidade de pesquisar alguns números que compartilho brevemente por aqui em tópicos. 

Exportações

O crescimento da economia chinesa proporcionou aumento de renda à população, que passou a consumir mais proteína animal. Isso fez com que as importações de carnes começassem a ganhar ritmo por lá, tendo se intensificado entre meados de 2018 e 2019, quando a peste suína africana infectou e matou milhões de porcos, reduzindo drasticamente a produção de carne no país e agitando os mercados globais.  

O volume exportado do Brasil para a China cresceu exponencialmente, saindo de 211 mil toneladas em 2017 para o pico de 1,23 milhão de toneladas em 2022 (quase 6 vezes mais em 5 anos). E os preços médios pagos em dólares também seguiram a trajetória de alta, subindo 45,9% no período citado. 

Preços da carne bovina

Nos últimos 10 anos (de setembro de 2013 até setembro de 2023), o preço médio da carne bovina exportada à China foi de US$ 4.792,73 por tonelada. 

De 2013 à 2022 os preços subiram 82,91%, e entre 2013 e setembro de setembro de 2023, a alta foi de 41,03%. A variação negativa de um ano para o outro foi fortemente influenciada pela queda brusca nos preços médios pagos em 2023 (-22,90% até o momento) e que mostram um caminho de retorno próximo à média. 

E como ficam os preços convertidos em reais (exportador) e em yuan (importador)? 

Durante o período analisado: 

  • – O preço médio em yuan ficou em CNY 31.726,27 por tonelada; 
  • – O preço médio em reais ficou em R$ 19.266,36 por tonelada. 

Podemos destacar ainda que, de 2013 a 2023: 

  • – O preço médio da tonelada de carne convertido em yuan subiu 60,64%;
  • – O preço médio da tonelada de carne convertido em real subiu 227,58% .

Moedas

A queda (comparada até 2022) ocorre porque o movimento de desvalorização cambial de ambas as moedas frente ao dólar continuou, como podemos observar abaixo: 

Podemos destacar ainda que, de 2013 a setembro de 2023: 

  • – A desvalorização do Yuan foi de 14,64%; 
  • – A desvalorização do Real foi de 59,32%.

Ou seja, de janeiro a setembro de 2023, o yuan desvalorizou 5,51% frente ao dólar, o que reduziu o poder de compra na China. Por outro lado, a valorização do real foi de 6,54% no mesmo período.

Com o dólar se valorizando frente ao yuan, a China precisa pagar mais caro em moeda local pela tonelada de carne importada. Já o Brasil, vendo o real se valorizando frente ao dólar, acaba recebendo menos na hora da conversão cambial. 

Arroba

A arroba do boi é o melhor parâmetro para analisarmos o preço da “matéria-prima” importada. Dessa forma, temos:

 Durante o período analisado: 

  • – O preço médio da arroba em reais foi de R$ 189,34;
  • – O preço médio da arroba em dólares foi de US$ 48,05;
  • – De 2013 a setembro de 2023, a arroba em reais valorizou 152,65%;
  • – De 2013 a setembro de 2023, a arroba em dólares valorizou 8,63%.

Inflação

Não podemos analisar toda a conjuntura sem olharmos também para a inflação nos dois países:

Para analisarmos um crescimento real dos preços da carne no Brasil, acredito ser mais aderente utilizar o indicador IGPM, devido a sua composição. Isso porque o IGPM é medido em várias etapas da produção, com maior peso no setor primário e secundário. Um dos componentes (IPA) é sensível aos preços do dólar e à variação das commodities.

Se corrigirmos o valor médio anual da arroba do boi gordo pelo IGPM no período (2013 a setembro/2023) saímos de R$ 102,63 para R$ 222,00(+116,31%).

Se corrigirmos os preços médios da tonelada de carne exportada (em reais) no mesmo período, saímos de R$ 7.578,09 para R$ 18.570,12 (+145,05%) 

Se atualizarmos os preços médios das importações chinesas (em yuan) no mesmo período, saímos de CNY 21.575,97 para CNY 26.279,53 (+21,8%) 

Podemos então observar que:

  • – O valor médio da arroba do boi no ano de 2023 em R$ 259,29 está 16,80% acima do valor corrigido no período pelo IGPM (R$ 222,00), o que representa um ganho real médio (acima do IGPM) de 1,42% ao ano.  
  • – O valor médio da tonelada de carne exportada em 2023 está em R$ 24.824,25, ou seja, 33,68% acima do valor médio corrigido pelo IGPM (R$ 18.570,12), o que representa um ganho real médio (acima do IGPM) de 2,67 % ao ano.
  • O valor médio da tonelada de carne importada pela China em 2023 está em CNY 34.659,80, ou seja, 31,89% acima do valor médio corrigido pela inflação chinesa no período (CNY 26.279,53) 

Alguns insights sobre o conteúdo:

  • – A China tem conseguido reduzir os preços médios de compra (tonelada de carne em dólares) em 2023, levando a preços próximos da média histórica  (em set/23 estava +3,28% acima).
  • – Como a desvalorização frente ao dólar foi maior no Brasil do que na China, sentimos um “impacto positivo” maior também. O preço médio da tonelada em reais variou +175,30% do que em yuan.
  • – Fica nítido que o dólar é muito mais volátil frente ao real do que ao yuan.
  • – O preço médio da tonelada de carne exportada (em dólar) variou mais no período analisado (+41,03%) do que a arroba do boi em dólar/real (+8,63%).
  • – A tonelada da carne está sendo negociada, em média, 30% acima dos preços corrigidos pela inflação de cada país.

Conclusão

SIM! A China vem pagando mais do que a média dos últimos anos pela carne brasileira, em dólares ou yuan. 

Analisando o cenário macroeconômico, concluímos que as transações estão sendo favoráveis para o Brasil, pois o valor médio da tonelada é maior do que a conversão da arroba do boi nas duas moedas, e estamos conseguindo obter um ganho real (acima do IGPM).

O cenário se desenhou em um período que a China precisava comprar carne para suprir o déficit produtivo gerado pela peste africana suína. De lá para cá, os estoques já estão sendo recompostos, mas será que o movimento continuará? Meu palpite é que a China vai continuar pressionando os preços médios das importações, afinal o yuan tem se desvalorizado por lá, o que encarece as importações. 

Se a oferta de proteínas melhorar no mercado chinês, a demanda pela carne brasileira poderá reduzir. E agora, ainda, entra no radar a carne bovina da Austrália (atualmente o 2º maior exportador de carnes do mundo), que, no momento em que escrevo, está com preços mais atrativos do que o Brasil (US$ 37,10/@ vs US$ 47,00/@).

Finalizo aqui com uma reflexão: se na média do período, o preço da arroba do boi gordo obteve ganho real de 1,42% ao ano, imagine o produtor que opera no mercado futuro fazendo hedge e consegue absorver o prêmio embutido na curva de preços? 

Exemplo: em 01/03/23 o preço (CEPEA) estava cotado em R$ 273,85/@ e o contrato futuro do boi gordo para outubro do mesmo ano (cód. B³: BGIV23) estava cotado em R$ 302,50/@, ou seja, +10,46% acima do preço do físico. No total, seriam 7 meses, gerando uma taxa de 1,43% a.m até o vencimento.

Em 10/10/23) os preços CEPEA fecharam a R$ 237,80/@ (abaixo da cotação de março). Acho que o ÓBVIO também precisa ser dito: Fazer hedge com a Terra Investimentos é sempre um bom negócio! 

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