Pode ser que o termo não lhe seja familiar, mas possivelmente você já caiu na armadilha da contabilidade mental em algum momento de sua vida.
Esse viés de comportamento pode distorcer a forma como lidamos com o dinheiro e nos levar a decisões prejudiciais. E ele é mais comum do que imaginamos, pois muitas vezes está presente nas pequenas decisões financeiras do dia a dia, inclusive nos investimentos.
A seguir, mostraremos o que é e como funciona a contabilidade mental, e de que forma podemos lidar com ela para que não prejudique as nossas finanças. Continue a leitura e saiba como evitar esse comportamento.
O que é contabilidade mental?
A contabilidade mental ocorre quando atribuímos um valor diferente para o dinheiro, de acordo com a sua origem e o seu destino.
O conceito de mental accounting foi desenvolvido em 1999 por Richard Thaler, ganhador do Nobel de Economia em 2017 por suas contribuições na área de economia comportamental. Segundo ele, nem sempre as pessoas são racionais quando tomam decisões financeiras, seja por desconhecimento, falta de tempo para avaliar opções, ou mesmo por crenças e hábitos pessoais.
De acordo com esse viés comportamental, muita gente separa o dinheiro em compartimentos e cuida de forma diferente de cada um deles. Como explica André Massaro, especialista em finanças, é como se a gente criasse ‘potinhos’ diferentes para o dinheiro, dizendo que ‘x’ vai para as férias, ‘y’ vai para a compra da casa no futuro, e assim por diante.
“Categorizar o dinheiro é muito útil quando estamos fazendo um orçamento ou um planejamento financeiro. Mas na hora de tomar uma decisão, essa visão compartimentada atrapalha e pode gerar prejuízos”, alerta Massaro.
Como funciona a contabilidade mental?
Como vimos, o viés da contabilidade mental parte do equívoco de tratarmos o dinheiro de forma diferente, considerando de onde ele vem e qual a sua finalidade.
Richard Thaler também abordou o tema juntamente com outro pesquisador da economia comportamental, Eric J. Johnson. O trabalho de ambos rendeu o conceito de house money effect (literalmente, “o dinheiro da casa”), fenômeno muito observado em jogadores de cassinos.
Basicamente, a premissa dessa teoria é de que as pessoas diferenciam o dinheiro que veio sem esforço do fruto do trabalho. Com isso, tendem a assumir mais riscos com o dinheiro da casa – expressão aplicada aos cassinos – do que com o seu próprio.
Quando as pessoas ganham dinheiro nos cassinos, normalmente dobram a aposta e tendem a perder o que ganharam rapidamente, e mais um pouco ainda. Isso acontece porque o cérebro não entende o dinheiro ganho como seu, mas sim da casa, como explica Massaro.
“É comum que pessoas ganhem um dinheiro significativo em jogos, mas enquanto elas não saem do cassino, não pensam como donas dos recursos. É como se, na nossa cabeça, o dinheiro que veio sem esforço seja da casa, e não nosso”, diz o especialista.
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Exemplos
Embora a teoria acima tenha sido desenvolvida a partir da análise do comportamento de jogadores, é muito fácil encontrar a sua aplicação nas finanças pessoais e nos investimentos. Isso gera um problema maior, pois acabamos agindo dessa forma com o nosso próprio dinheiro.
Contabilidade mental na origem do dinheiro
Alguns dos exemplos mais comuns são o décimo terceiro salário e a restituição do Imposto de Renda, como observa Massaro.
“Às vezes, a pessoa ainda nem recebeu e já tem planos de torrar o décimo terceiro e a restituição do IR, algo que não faria com o próprio salário. Nesse caso, a irracionalidade é maior ainda, pois esse dinheiro veio do trabalho, não é algo aleatório”, alerta.
O mesmo vale para todo dinheiro que podemos receber – herança, venda de um imóvel, dividendos recebidos, e por aí vai. Ao invés de considerar o patrimônio como algo único, temos a tendência de colocá-lo em caixinhas e achar que podemos gastar com coisas supérfluas o que chegou até nós de maneira mais fácil.
Contabilidade mental no destino do dinheiro
Até agora, falamos sobre a contabilidade mental na origem dos recursos. Mas ela também acontece quando precisamos dar um destino ao dinheiro – o famoso “dinheiro carimbado”, que também pode prejudicar as finanças.
Por exemplo, suponha que, entre os seus planos, esteja fazer uma viagem, trocar de carro e comprar uma casa. O viés da contabilidade mental lhe faria separar em caixinhas o dinheiro necessário para cada um desses projetos e não mexer nele em nenhuma hipótese. Ou seja, se você tiver um imprevisto financeiro ao longo do tempo, tomará recursos no banco em vez de resgatar algum investimento – afinal, suas reservas já estão comprometidas, segundo esse viés comportamental.
“Muitas vezes, quando estoura o caixa, as pessoas entram no cheque especial ou no rotativo do cartão de crédito, sendo que poderiam utilizar reservas, só para não alterar os planos. Com isso, acabam perdendo dinheiro, pois os juros dessas modalidades são infinitamente maiores do que elas recebem pelas aplicações”, alerta Massaro.
O especialista cita outro exemplo relacionado à contabilidade mental: o hábito que algumas pessoas têm de separar os investimentos, classificando-os como “ganhadores” e “perdedores”.
Você percebe que uma ação de sua carteira vem caindo sistematicamente, semana após semana. Acreditando em uma reversão dessa tendência, você continua segurando o título e, precisando de caixa, decide se desfazer de uma ação “ganhadora” em vez de vender a “perdedora”, que acumula quedas.
Nesse caso, como explica Massaro, a contabilidade mental acaba se associando a outro viés comportamental conhecido como efeito disposição, que nada mais é do que a aversão a perdas.
“Vender ações perdedoras é uma forma de pagar menos impostos nos investimentos, pois fazendo isso acumulamos créditos fiscais. Mas muita gente tem a tendência de liquidar rapidamente os investimentos ganhadores e deixar os perdedores na carteira. Esse é um exemplo de como a contabilidade mental pode se manifestar na segmentação dos ativos em bons ou ruins, mesmo sem percebermos”, alerta Massaro.
Como evitar a contabilidade mental nos investimentos?
Vieses cognitivos não dependem de nossa escolha, pois são atalhos que nosso cérebro toma automaticamente para chegar mais rápido a uma solução. Em outras palavras, todo viés comportamental é um processo cerebral e não mental e, por isso, não há como evitá-los completamente.
O que se pode fazer é prestar atenção para identificar quando essas “falácias lógicas” surgem. Ao analisarmos as situações com racionalidade, fica mais fácil perceber se nossas decisões fazem sentido ou se estamos sendo guiados pelo piloto automático do cérebro.
Outro aspecto importante, segundo Massaro, é entender que dinheiro é um bem fungível, ou seja, pode perfeitamente ser substituído por outro igual, assim como muitos ativos financeiros.
“Não importa se você herdou, ganhou no jogo ou trabalhou para ganhar o seu dinheiro: evite separá-lo conforme a origem e destinação. Afinal, uma nota de 100 reais terá sempre o mesmo valor, seja de onde ela vier, certo? Se você juntar todo o seu dinheiro, não tem como saber de onde veio cada parte. Acabar com as ‘caixinhas’ ajuda bastante a evitar a contabilidade mental”, orienta o especialista.