Pecuária: o que fazer em momento delicado para o setor?

Tempo de leitura: 7 minutos

Gado nelore em fazenda
Gado nelore em fazenda

Não é de hoje que os produtores rurais brasileiro têm ficado desconfortáveis com os preços das commodities. Afinal, os preços iniciaram um movimento de alta no 2º semestre de 2019 e seguiram firmes até o início do ano passado, quantas muitas commodities fizeram seus “topos” de preços em março.

Só que de lá para cá, o cenário mudou e os preços seguiram na direção contrária.

Aprofundando no mercado pecuário para entender melhor o setor e o que está por trás dos movimentos e as direções, buscarei tratar por tópicos: Exportações para a China e preços, Plantel, Produtividade e Confinamento, Ciclo Pecuário e Abate de Fêmeas, Preço de Reposição e a relação entre Gordo e Bezerro e, por fim, as perspectivas do mercado.

Exportação para a China e Preços

A demanda deve continuar a crescer nos próximos anos. Estima-se que, entre 2020 e 2030, ocorra um aumento de 18,4% no consumo per capita e de 1,7% na população, projetando um crescimento de 20,4% na demanda doméstica chinesa por carne bovina. Isso representaria uma elevação das 9,26 milhões de toneladas equivalentes a carcaça em 2020 para 11,15 milhões em 2030.

A CONAB (Companhia Nacional de Abastecimento) prevê que a produção de carne bovina brasileira em 2023 alcance 9 milhões de toneladas, e que as exportações atinjam 2,91 milhões de toneladas. Atualmente, a China importa aproximadamente 20% do total produzido no Brasil.

Diante desse cenário promissor, o mercado brasileiro se adaptou para atender às especificações chinesas, introduzindo a categoria de “boi de exportação padrão China”. Esses são animais saudáveis, com idade de até 30 meses e, no máximo, 4 dentes molares na boca. Eles apresentam boa carcaça, musculatura bem distribuída e rusticidade. Frigoríficos que buscam esse padrão de qualidade chegam a oferecer um “bônus” que varia de R$ 5,00 a R$ 15,00 por arroba.

Vale ressaltar que a China adquire carne apenas de frigoríficos habilitados, sendo que atualmente cerca de 50 plantas têm essa certificação. A preferência chinesa recai sobre a parte dianteira do boi, que, por ter um valor agregado mais elevado, garante boas margens de lucro aos frigoríficos brasileiros.

A decisiva entrada da China no mercado global de importação de carne, aliada à valorização do dólar, potencializou o mercado de carne bovina. Esse cenário trouxe consigo margens de lucro atrativas, alimentando expectativas e estimulando investimentos em todo o setor.

Plantel, Produtividade e Confinamento

A necessidade de atender a novos players fez com que produtores investissem em genética, matrizes, pastagens, alimentação e consequentemente aumento de plantel.  Para aumentar o plantel, os pecuaristas começaram a reter fêmeas em 2018 e o reflexo veio em seguida tornando o Brasil o país com maior rebanho comercial do mundo.

“Entre 1990 e 2020, a produtividade da pecuária brasileira aumentou 122%. Já a área de pastagem caiu 13%. Isso mostra que aumentamos a eficiência”, explica o pesquisador da Embrapa Guilherme Malafaia. Com o mercado aquecido, margens melhorando e grande demanda pela carne brasileira (Brasil é o maior exportador do mundo), aumentou-se também o número de animais confinados no Brasil. Em 7 anos, o número de bois confinados cresceu quase 50% no Brasil.

Vale ressaltar que a atividade de confinamento é de maneira intensiva e que propõe através de dieta especializada engordar o boi magro em menor tempo (de 90 a 110 dias) com eficiência. Estima-se que os custos do confinamento são em média: Boi magro (67%), Nutrição (28%), Operacional (4%), Frete (1%) e Sanidade (0,5%).

Em 2022 e 2023 com a queda dos preços da arroba do boi, as margens dessa modalidade de manejo vem se reduzindo, até mesmo se tornando negativas em alguns períodos, mesmo com a queda dos insumos. Segundo levantamento da DSM em 2022: “se em 2020 o resultado econômico foi de R$ 737 por cabeça, em 2022 ele foi negativo em R$ 49. Outro número importante é a participação de confinamentos com mais de 10 mil animais: em 2020, eles eram 42% do total; em 2022, respondem por 51%.”

Ciclo Pecuário, Abate de Fêmeas e Preço de Reposição

Os pecuaristas foram surpreendidos pela tendência de queda nos preços desde março de 2022 – foi no dia 24 de março daquele ano que o preço (CEPEA) alcançou seu pico: R$ 352,05 por arroba. Diversos fatores contribuíram para essa queda: redução no preço médio da carne importada pela China, desaceleração econômica do gigante asiático, alta inflação desencorajando o consumo interno no Brasil, queda nos preços de outras commodities como milho e soja (ingredientes chave para ração animal), valorização cambial, um caso atípico de “vaca louca”, menor incentivo a investimentos por causa das altas taxas de juros e aumento do abate de fêmeas – um indicativo típico dos Ciclos Pecuários.

Historicamente, o Ciclo Pecuário tem sua recorrência e está intrinsecamente ligado à oferta de animais e ao abate de fêmeas. A oferta é fortemente influenciada pelo preço dos bezerros (reposição), quando há alta do preço de reposição, observa-se uma retenção de vacas para produção de bezerros. Essa retenção diminui a oferta de animais para abate, fazendo com que o preço da arroba do boi suba.

Esse fenômeno persiste até que a produção de bezerros se torne tão volumosa que o mercado não absorva facilmente, ocasionando a queda dos preços. Com a desvalorização do bezerro, há menos incentivo para manter matrizes (vacas e novilhas) que acabam sendo direcionadas ao abate, elevando a oferta de carne no mercado e, consequentemente, reduzindo o preço da arroba.

Em resumo, o abate de matrizes é o principal regulador da oferta de carne, visto que o abate de machos tende a ser mais constante.

Os ciclos possuem, em média, uma duração de 5 a 7 anos (conforme dados de abate do IBGE desde 1997). Contudo, com o avanço do melhoramento genético e a redução no tempo de abate, esse ciclo tem se encurtado. O gráfico a seguir demonstra que, após períodos de abate de fêmeas acima da média, a consequente diminuição da oferta faz o preço da arroba do boi disparar.

Com a valorização da arroba, o ciclo reinicia, incentivando novamente a retenção de matrizes. Curiosamente, o mercado tem apresentado “topos e fundos ascendentes”, o que significa que mesmo após quedas, os preços se mantêm acima dos mínimos anteriores, gerando novas oportunidades de mercado.

Os preços dos bezerros (Cepea-SP) têm registrado queda desde o início de 2021. Atualmente, eles apresentam uma relação de valor que favorece novos investimentos, algo que não se observava desde 2014.

Como a “virada de Ciclo” costuma ser sinalizada pelos preços dos bezerros, é essencial monitorar esse indicador. Fazer isso possibilita realizar compras mais estratégicas e manter um “estoque cheio”, preparando-se para aproveitar a próxima onda de alta nos preços.

É válido também ficar atento aos preços de bezerros e bezerras nos estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Rondônia e Tocantins. Estatisticamente, durante ciclos de alta, o aumento nos preços das reposições tende a iniciar por esses estados, embora isso não seja uma regra fixa.

Perspectivas do Mercado

Mesmo que a oferta de fêmeas para abate deva se moderar no último trimestre de 2023, o volume de gado pronto para abate nos meses vindouros deve continuar superior ao do ano passado. Para que os produtores percebam uma melhoria nas cotações do boi gordo, é crucial que os preços de exportação se recuperem e que haja um fortalecimento na demanda interna.

No entanto, enfrentamos um declínio nos preços locais da carne bovina na China, depois de uma longa trajetória ascendente. Com a recente desvalorização da moeda chinesa, a pressão para abaixar os preços em dólar tem aumentado.

Estamos vivenciando um período particularmente desafiador na pecuária, possivelmente inédito nas últimas décadas. Uma acentuada queda de preços, agravada nos últimos meses, deteriorou as margens, impactando tanto o ciclo completo quanto o confinamento.

O maior reflexo foi percebido no 2º giro dos confinamentos: os preços, que estavam em média R$ 255,00/@ em junho de 2023, despencaram para menos de R$ 200,00/@ no início de setembro, representando um declínio superior a 21%. Isso coincidiu com uma programação de oferta de animais para abate e escalas mais dilatadas nos frigoríficos.

Dado esse cenário de preços em queda, uma demanda não tão entusiasmada e as projeções dos mercados futuros (B3) apontando para margens decrescentes ou até negativas, até o final de agosto de 2023, muitos confinadores optaram por diminuir o número de animais no “último giro” do ano.

Alguns produtores até evitaram novos acordos de confinamento. Contudo, um incremento na demanda interna e nas exportações no último trimestre pode beneficiar aqueles que optaram por confinar bois para o abate em novembro e dezembro de 2023.

Mas, a questão que permanece é: quando veremos uma melhoria? Se o ciclo seguir ou ao menos “ecoar” tendências anteriores, podemos antecipar um ressurgimento na valorização da arroba entre o 2º semestre de 2024 e o 1º semestre de 2025, marcando o início de um novo ciclo de alta.

Para os produtores envolvidos no ciclo completo, adquirir bezerras e novilhas no 1º semestre de 2024 pode ser a estratégia acertada, preparando-se para capitalizar na próxima fase ascendente do ciclo e assegurando bons preços de venda, margens atrativas e a valorização do ativo. Já para quem confina, uma ideia pode ser montar estratégias de hedge na compra do boi com operações estruturadas: compra de Call, compra de Call Spread, compra de Collar com Ativo, compra de Fence, Seagull entre outras…

Que essa queda nos preços da arroba do boi seja um aprendizado aos produtores e que eles comecem a adotar a proteção (hedge) no mercado financeiro para sempre garantir suas margens. A Pecuária sempre resiste aos Ciclos de Baixa no mercado, mas o pecuarista que não garante margem na sua operação, pode ser que um dia o mercado o expulse da atividade, principalmente os alavancados.

Quer saber mais como se proteger? Mande um e-mail (para [email protected]) ou clique aqui para entrar em contato via WhatsApp ou diretamente para (11) 91286-6627.

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