A primeira parte da reforma tributária, voltada à tributação sobre o consumo, foi aprovada na Câmara dos Deputados no dia 6 de julho. De acordo com o texto aprovado, a segunda parte da reforma – que tratará dos impostos sobre a renda – deverá chegar ao Congresso Nacional em até 180 dias da promulgação da Emenda Constitucional. E será justamente nessa fase que poderemos sentir, de fato, os impactos da reforma tributária sobre os investimentos.
Mesmo que a tão esperada tributação sobre dividendos ainda não tenha entrado na pauta, algumas definições do dispositivo permitem traçar uma perspectiva sobre os efeitos que as novas normas trarão ao mercado financeiro. Nesse sentido, já se pode avaliar alguns dos potenciais impactos da reforma na bolsa e na renda fixa, os quais veremos a seguir.
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Impactos da reforma tributária: como ficam os investimentos?
Antes de falarmos especificamente sobre os investimentos, cabe um breve resumo da situação atual.
Entre os principais objetivos da primeira fase da reforma tributária, estão a simplificação do sistema tributário brasileiro e o combate à guerra fiscal entre os estados, que se baseiam em dois pontos importantes. O primeiro é a criação de um Imposto Sobre Valor Agregado (IVA), que reunirá tributos sobre produção e consumo cobrados hoje e se subdividirá em dois: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). A arrecadação da CBS ficará a cargo da União, enquanto o IBS será destinado aos estados e municípios.
Segundo o modelo aprovado, a CBS e o IBS não incidirão em cascata, como ocorre hoje em alguns setores da economia. Ou seja, à medida que a cadeia produtiva evolui, um tributo não mais vai compor a base de cálculo do próximo. No jargão tributário, CBS e IBS terão “não cumulatividade plena”.
O segundo ponto é a alteração do local de cobrança dos impostos sobre bens e serviços. Atualmente, a tributação ocorre no local de origem da obrigação tributária. Com a reforma, os tributos passam a ser cobrados no destino das mercadorias ou da prestação de serviços.
Embora de forma indireta, esses dois aspectos já mexem com as perspectivas para o cenário econômico e, consequentemente, para os investimentos, da seguinte forma:
Redução de custos para as empresas
A unificação dos impostos trará desoneração para alguns setores, o que melhora a rentabilidade das empresas. Além disso, a cobrança em cascata (que dificulta o cálculo de valores a compensar), o excesso de impostos e de obrigações acessórias fazem do sistema tributário do Brasil um dos mais complexos do mundo. Não é a toa que, segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), mais de 170 países já adotaram o IVA.
No modelo atual brasileiro, quanto maior for a empresa e mais complexa a sua atividade, mais pessoas são necessárias para cuidar das obrigações tributárias. Por isso, a unificação dos tributos reduzirá custos e facilitará o operacional das empresas, aumentando a eficiência do negócio. Dessa forma, são maiores as chances de que tenhamos empresas mais rentáveis na bolsa e com maior potencial de pagar dividendos.
Melhora do risco país
A simplificação do sistema tributário brasileiro também favorece a entrada de capital estrangeiro, à medida que investidores internacionais se sentem mais seguros com regras mais transparentes. Mais dinheiro circulando motiva as empresas a procurarem o mercado de capitais com fonte de financiamento para suas atividades, o que fortalece a bolsa.
Segundo especialistas, tudo isso pode ser um importante passo para que o Brasil volte a ter grau de investimento. No entanto, ainda deve demorar algum tempo para recuperarmos o selo de bom pagador.
Impactos da reforma tributária na bolsa
Em que pese os benefícios gerais que a reforma tributária trará à economia, alguns setores perceberão isso de maneiras diferentes.
De forma geral, especialistas avaliam que a maior equidade trazida pelas novas normas beneficie o setor industrial. Isso porque, atualmente os setores de serviços e comércio pagam menos impostos em comparação à indústria.
Para Luis Novaes, analista da Terra Investimentos, o segmento do agronegócio deve ser positivamente afetado com a isenção de IPVA para veículos que integram o processo produtivo. Além disso, o desconto em relação à alíquota cheia do IVA dual e a desoneração das exportações com a modificação do regime tributário da origem para o destino também deve beneficiar o agro, entre outros setores da economia
A PEC também estabeleceu a criação da “cesta básica nacional”, cujos produtos serão definidos por lei complementar. Segundo o texto, todos os itens dessa sexta estarão desonerados, o que beneficiará as empresas produtoras em termos de redução de custos.
Por outro lado, determinadas indústrias podem vir a ser penalizadas com a criação de um Imposto Seletivo (IS), também previsto na PEC, que incidirá sobre produtos prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. Esses itens serão definidos por lei complementar, e ainda não está claro como será a sua cobrança. Porém, já se espera que alguns setores sejam mais pressionados, conforme explica Novaes.
“É praticamente certo que bebidas alcoólicas e cigarros estarão nesse regime de tributação mais rígido, como forma de desestimular o consumo. Sabemos que mais setores serão incluídos nessa classificação, provavelmente, o setor de mineração e extração de óleo e gás, e, potencialmente, setores como energia e telecomunicações, por alguns de seus métodos adotados em seus processos produtivos ou operação”, observa o analista.
Já para o varejo, a expectativa é de impacto neutro, pois haverá o período de transição para a utilização dos créditos dos impostos estaduais e discutir como ficarão os atuais benefícios fiscais. “Isso poderá tornar mais claro qual será realmente o impacto da reforma para o setor”, conclui Novaes.
Impactos da reforma tributária na renda fixa
Com os benefícios da reforma tributária, espera-se um crescimento maior do PIB (Produto Interno Bruto) e melhora de outros indicadores econômicos, como inflação, juros, taxas de emprego e de produção industrial, por exemplo.
Nesse sentido, um cenário otimista pode ampliar o movimento de queda dos juros futuros, que reflete as expectativas do mercado sobre os rumos da política monetária. Foi exatamente isso o que aconteceu com o Tesouro Prefixado um dia depois da aprovação do texto da PEC na Câmara.
E a tributação de dividendos?
No Brasil, não há tributação de dividendos desde 1995, pois entende-se que ela seria uma dupla tributação. Isso porque as empresas já recolhem impostos sobre o lucro, o que, teoricamente, justificaria isentar um valor que já foi tributado em sua fonte.
No entanto, o fato de o Brasil ser um dos únicos países que não tributa esses proventos trouxe o tema para discussão em 2021. Na ocasião, o projeto de lei que alterava o Imposto de Renda (IR) propôs tributação de 15% para dividendos e juros sobre capital próprio. Se tudo correr como previsto, a tributação de dividendos das empresas e dos fundos imobiliários (FIIs) deverá ficar para daqui a alguns meses. ,
Em abril de 2023, ao abordar o tema, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad mencionou também uma possível mudança na tributação de fundos exclusivos. A princípio, esses investimentos, que recebem recursos de grandes fortunas, passariam a ter o come-cotas, uma antecipação de IR que já acontece em outros tipos de fundos de investimentos.